Operações de M&A (Fusões e Aquisições) têm tido um crescimento sólido no Brasil nos últimos anos. Mesmo diante das sucessivas crises e instabilidades macroeconômicas, as operações de M&A têm se apresentado como opções interessantes no mercado, mostrando que existem oportunidades tanto em tempos de crise como em tempos de estabilidade.
Por mais que o regular crescimento de transações de M&A esteja sendo verificado nos últimos anos, isso não significa que o processo até a conclusão de uma transação tenha ficado mais fácil, ou rápido.
Inúmeros são os desafios a serem enfrentados por Empresários, Investidores e Assessores de M&A envolvidos em uma transação. Desde a elaboração dos materiais que envolvem a oportunidade; o início do relacionamento com os Investidores; passando pela intensa troca de documentos e informações e criteriosas análises envolvendo infindáveis calls e reuniões, chega-se o momento onde as negociações se afunilam e os instrumentos jurídicos entram em cena para “pacificar” todos os muitos meses de intenso trabalho.
Dentro dos contratos definitivos de uma transação de M&A, diversos são os temas abordados que devem ser contratualizados, todos resultados de exaustivos meses de análises e negociações sob os mais diversos prismas.
Obviamente, além de se estabelecer em contrato o objeto transacionado (em geral participação societária), seu preço, e forma de pagamento, normalmente são tratados alguns temas que têm por objetivo dar mais segurança na operação. Usualmente vemos abordados nas minutas finais diversas cláusulas de garantia, tratando temas como:
1. Condições precedentes para o fechamento (closing) da operação, como por exemplo, a aprovação perante órgãos reguladores;
2. A prestação de declarações e garantias do vendedor (representations and warraties) sobre a real situação jurídica, financeira e econômica da sociedade bem como das quotas/ações transacionadas;
3. A assunção de obrigações de fazer e/ou de não fazer (covenants), em especial as que digam respeito à condução dos negócios até o closing;
O estabelecimento de indenizações caso verificadas hipóteses de violação dos deveres contratuais, passivos ocultos ou contingentes.
Grande parte das cláusulas de garantias citadas anteriormente são convencionadas com base nos resultados do processo de Due Dilligence.
Originado no mercado de valores mobiliários dos Estados Unidos na década de 30, a Due Dilligence nada mais é que um processo de “investigação” e conferência dos mais diversos dados, documentos e informações que permeiam a vida da empresa nas mais diversas áreas, por exemplo como financeira, contábil e jurídica. Este procedimento tem como objetivo diminuir os riscos do Investidor (Comprador), balizando sua decisão de investimento e proporcionando mais segurança na operação.
Por mais que atualmente os procedimentos de Due Dilligence sejam muito rigorosos e criteriosos, e que dentro dos contratos finais de uma transação de M&A existam diversos dispositivos que visam criar mecanismos de garantias, ainda sim sempre existirão fatores de risco associados a um investimento em uma empresa.
Visto que a segurança em operações de M&A é um tema muito importante para que ela seja concluída com sucesso, as cláusulas de garantias estabelecidas de acordo com os resultados do procedimento de Due Dilligence precisam ter um mecanismo eficiente para serem executadas.
É neste ponto que vemos a aplicação prática das chamadas Escrow Accounts – também conhecidas como Contas Garantia.
Mas o que são Escrow Accounts?
As Escrow Accounts nada mais são que contratos firmados entre Comprador, Vendedor e, normalmente, uma instituição financeira (Agente Escrow), onde as partes acordam confiar (depositar) bens – em geral valores monetários – para que este Agente Escrow faça sua restituição, ou ao depositante (Comprador) ou ao beneficiário (Vendedor), quando verificadas determinadas condições.
Em outras palavras, dentro de um processo de M&A, o Comprador ao realizar o pagamento do preço de aquisição das quotas/ações de determinadas empresas, destina parte do valor do preço de aquisição para esta conta garantia. Este valor fica depositado sob a guarda de um Agente Escrow, que realizará a liberação total ou parcial de acordo com a verificação ou não de determinadas hipóteses que foram acordadas nos contratos finais de M&A nas cláusulas de garantias.
Um exemplo prático
Para explicar o funcionamento prático de Escrow Account, vamos abordar uma das principais cláusulas de garantia que geram dúvidas quando aparece em um contrato final de M&A: A cláusula indenizatória em caso de passivos contingentes.
Imaginemos que uma operação foi concluída, e dentro do contrato final de M&A foi estabelecida cláusula indenizatória que previa que, caso algum passivo contingente* que tenha tido o fato gerador anterior ao fechamento da transação viesse a ser cobrado, o Vendedor deveria indenizar o Comprador no mesmo montante.
Seguindo nosso exemplo, passado um ano após o Comprador assumir a operação da empresa adquirida, este verifica que existem cobranças judicias e a materialização dos passivos anteriormente contingentes.
Caso não houvesse sido estabelecida a criação de uma Escrow Account, o Comprador teria arcar com o pagamento dos passivos contingentes e posteriormente realizar a cobrança deste valor junto ao Vendedor mediante indenização acordada no contrato.
Pensado em valores pequenos, o risco de não se reter valores mediante Escrow Account parece aceitável para o Comprador. Porém, caso o valor dos passivos contingentes identificados na Due Dilligence fossem significativos, isso aumentaria sobremaneira o risco do Comprador, na medida em que ele já teria pagado boa parte ou todo o preço de aquisição e teria que arcar com os passivos contingentes para depois realizar a cobrança das indenizações. Certamente este risco o faria desistir de concluir a transação.
Olhando este mesmo exemplo por outro prisma, a alternativa à criação de uma estrutura de Escrow Account se tratando de passivos contingentes é a retenção dos valores pelo Comprador (holdback). Em geral, o Comprador verifica em Due Dilligence o valor dos passivos contingentes e os retém fazendo sua liberação de acordo com o estabelecido em contrato. Esta estrutura é razoável e pode funcionar, porém o Vendedor fica sem a garantia de que os valores acordados pela aquisição da empresa estão disponíveis, ao passo que, em uma Escrow Account, ele tem a certeza da disponibilidade dos valores ajustados.
Conclusão
Vemos que a estrutura de Escrow Account nada mais é que mecanismo prático pelo qual algumas garantias prestadas podem ser eficazmente quitadas dentro da execução de contrato definitivo de M&A, o que em última análise mitiga os riscos inerentes à operações desta natureza, dando segurança tanto para Vendedor, quanto para Comprador, quando da conclusão de uma transação.
*Passivo Contingente é aquele que ainda não se materializou. p.ex. conduta da empresa que pode levar à uma cobrança judicial.