Quando 1 + 1 = 3
Uma operação de M&A envolvendo duas empresas se justifica quando o valor após a transação é maior do que o das empresas individualmente. Damos o nome de SINERGIA para este valor adicional, gerado por meio de uma operação de fusão ou aquisição. Quanto maior o potencial de sinergias, maior a chance de captura de um prêmio sobre o valor justo de mercado na venda da empresa.
Neste artigo, aprofundaremos as principais definições de valor, motivações por trás de uma operação de M&A, o perfil de investidor que é mais disposto a pagar um prêmio sobre a média de mercado e um exemplo prático de como calcular sinergias e defender um prêmio sobre o fair value em uma operação de fusão ou aquisição.
O que é valor? E preço? Depende em que contexto e para quem.
Vamos resgatar algumas definições importantes:
Valor justo de mercado: O International Valuation Standard Council (IVSC) define valor justo de mercado como “o valor estimado pelo qual um ativo ou passivo deve ser trocado em uma transação não forçada entre comprador e vendedor, onde cada uma das partes age com conhecimento de causa, prudência e sem compulsão.”
Em operações de M&A, o valor justo de mercado se aproxima do preço médio resultante da oferta e demanda por determinada empresa no contexto da operação e só é efetivamente conhecido após o recebimento das cartas de intenção (LOIs) de potenciais compradores/investidores. Uma estimativa de valor justo de mercado pode ser obtida por meio da análise de múltiplos de transações pregressas envolvendo empresas que sejam comparáveis ao target, isso é: mesmo segmento de mercado, modelo de negócio, porte, localização.
Valor intrínseco: Mais conhecido como Valuation, o valor intrínseco é frequentemente usado por investidores na análise de novos investimentos. Valor intrínseco pode ser definido como o valor de determinado ativo que um investidor considera ‘verdadeiro’ ou ‘real’, independentemente do valor justo de mercado do mesmo (quanto está sendo negociado hoje). Sob a ótica do investidor, um investimento só se justifica quando o valor intrínseco é superior ao valor justo (ou preço) de mercado.
Valor de investimento: O valor de investimento pode ser definido como o valor de uma empresa sob a ótica de determinado investidor específico com base em sua tese de investimentos e expectativas de mercado. Ele é importantíssimo na venda de uma empresa de capital fechado, pois este pode divergir substancialmente para cada um dos compradores/investidores a depender de potenciais sinergias geradas, diferentes requisitos de retorno e custo de capital do investidor.
Por que estes conceitos são importantes em uma operação de M&A?
Muitas vezes, vejo empresários com a expectativa de vender suas empresas por seu valor intrínseco, isto raramente é possível. Explico: para uma transação se justificar pela ótica de um investidor, o valor de mercado da empresa deve ser menor do que o valor intrínseco da mesma. Posto de outra forma, qual o incentivo para um investidor comprar uma ação de uma empresa que vale R$20 por R$20? Se toda expectativa de valorização do capital já está precificada, naturalmente, não há potencial upside para o investidor e o investimento não se justifica.
Se os investidores não pagam o que a empresa “vale”, o que determina o preço de mercado de uma transação? Simples: oferta e demanda. Por isso, a máxima “preço é o mercado quem dá”.
Ao analisarmos o mercado de M&A de pequenas e médias empresas de capital fechado no Brasil, observamos que a grande maioria das transações acontecem na faixa de 4-6 vezes o EBITDA anual da empresa.
Quais são as exceções a esta regra? Transações envolvendo:
- empresas com potencial de crescimento exponencial;
- empresas de setores em consolidação (alta demanda);
- empresas que tenham significativas sinergias com o comprador ou investidor.
Se você não é um empresário do setor de tecnologia ou de um setor que passa por consolidação, buscar investidores cujo o perfil máximo do Valor de Investimento, ou seja, que aproveite o maior potencial de sinergias com a sua empresa, é uma estratégia ótima para alcançar um prêmio sobre o preço médio de mercado. Para isso, é importante entendermos as principais motivações de um comprador/investidor ao realizar uma operação de M&A.
Principais motivações por trás de uma aquisição
Aqui, torna-se importante diferenciarmos os 2 tipos principais de investidores: financeiros e estratégicos.
As motivações de um investidor financeiro são mais simples de se entender. Por definição, este perfil de investidor está exclusivamente interessado no retorno financeiro com a operação de M & A. Sua participação na sociedade investida tem começo, meio e fim e seu principal objetivo é comprar barato, vender caro, valorizar as ações de seus quotistas e maximizar sua taxa de performance. Estamos falando de fundos de private equity, venture capital e family offices.
É importante ressaltar que este perfil de investidor costuma agregar elementos importantes para que a empresa possa atingir um novo patamar de crescimento, como capital para realizar investimentos, melhorias chave em práticas de gestão, governança corporativa e recrutamento e seleção.
Já os fatores que levam um investidor estratégico (empresas que crescem por aquisição) a realizar uma aquisição podem ser diversos. Este perfil de investidor normalmente possui uma visão de longo prazo e não necessariamente irá realizar a venda total da empresa no futuro. Suas motivações estão ligadas a sinergias diretas e indiretas com o target e sua percepção de valor para o investimento é outra.
Vamos entender melhor os principais motivos que levam uma empresa a crescer por M&A.
Sinergias
De um modo geral, quanto mais semelhante as atividades do comprador e vendedor, maior potencial de captura de sinergias com uma transação entre as partes. As sinergias diretas podem reduzir custos ou aumentar receitas, imediatamente após a transação.
A redução de custos (ou despesas) por meio de sinergias é tipicamente alcançada por:
(i) redução de custos devido ao ganho de escala nas compras com fornecedores ou mais eficiência de gestão;
(ii) redução de pessoal, possível pela sobreposição de funções;
(iii) corte de despesas administrativas duplicadas;
(iv) redução de despesas de ocupação pela unificação da operação, ou sede da empresa;
(v) otimização de gastos em P&D, marketing e vendas.
Já as sinergias de receita são criadas por meio de:
(i) cross-selling de produtos – vendas do produto de uma empresa na base de clientes da outra;
(ii) ampliação de market-share, decorrente da possível atuação em outras praças ou em outros nichos de mercado;
(iii) possibilidade da prática de preços mais altos resultantes da redução da concorrência.
Não me estenderei para a análise detalhada de outras motivações para uma transação de M&A apontadas pela literatura como: aquisição de tecnologias ou produtos, pesssoas-chave (acqui-hiring), internacionalização, questões fiscais ou de competitividade pois em meu entendimento, no final do dia, todos estes desdobramentos estão refletidos no potencial de aumento de receitas ou redução de custos.
Mapeamento de sinergias e defesa de prêmio sobre o valor justo de mercado: short case
Já vimos que o valor de uma empresa é relativo e acabamos de entender o porquê dos investidores estratégicos estarem dispostos a pagar um prêmio sobre o valor justo de mercado do target em uma operação de M&A.
Mas qual o limite esperado para a oferta de um investidor? Como quantificar e defender um prêmio sobre o valor justo de mercado? Em que contexto ele é mais provável de acontecer?
Para isso, vamos imaginar o caso hipotético da rede de colégios Viva Mais, uma rede com três colégios de ensino básico (1º ano do fundamental a 3º ano do ensino médio). A empresa possui toda a estrutura para seu funcionamento, incluindo pessoal, escritório administrativo, comercial, marketing, T.I., RH, etc. e é uma das principais referências em ensino privado em sua região.
A Viva Mais contratou um advisor de M&A, Thor, que elaborou as projeções financeiras da empresa, de acordo com os planos de crescimento da diretoria e calculou o valor intrínseco da companhia pelo método do fluxo de caixa descontado em R$90 milhões.
O analista explicou aos acionistas que o valor intrínseco da companhia está em patamares superiores a média das últimas transações de M&A do setor de ensino básico mas que, se os acionistas realmente desejem levar a empresa a mercado, deveriam ter expectativa de receber ofertas nos patamares das últimas transações.
Thor apurou a mediana das últimas transações envolvendo redes de ensino básico em 6x EBITDA anual. O EBITDA da Viva Mais referente aos últimos 12 meses foi R$12 milhões. O que implica em um valor justo de mercado de R$72 milhões (R$12×6) para a empresa.
Uma das principais redes de ensino privado de capital aberto, Giga Alumni, vem sondando os acionistas da Viva Mais sob o interesse em uma venda 100%.
Os fundadores da Viva Mais deram carta branca para Thor conduzir o processo, sob a condição de conseguir um valor superior a R$75 milhões pela totalidade das ações.
Os investidores já tiveram acesso a documentação preliminar com informações financeiras e estratégicas da Viva Mais e estão em vias de enviar uma carta de intenção contendo uma oferta de aquisição. Thor estudou detalhadamente o perfil do comprador e terá um call com o time de M&A para defender o valor de investimento da Viva Mais.
Thor identificou os seguintes pontos de sinergia, pós aquisição:
- Redução de despesas com pessoal das áreas meio (T.I., RH, financeiro, jurídico) em R$1.5 milhões/ano. A estrutura administrativa da Viva Mais será absorvida pela Giga Alumni que possui uma administração centralizada para todas as unidades.
- Redução de custos com material didático em R$500 mil/ano. A Giga Alumni produz o seu próprio material didático, que passará a ser adotado pela Viva Mais.
O estudo feito por Thor, estima um total de sinergias pós aquisição de R$2 milhões/ano. Isto significa que o EBITDA ajustado pós sinergias para a Viva Mais é de R$14 milhões. Resultando em:
- Valor justo de mercado (stand-alone, visão dos acionistas): 6 x 12 = R$72 milhões.
- Valor de investimento (pós-aquisição, visão dos compradores): 6 x 14 = R$84 milhões.
Thor vai para a mesa de negociação sabendo que o valor justo de mercado é o absoluto mínimo que os vendedores deveriam aceitar e o valor de investimento, o máximo que os investidores devem estar dispostos a pagar. O analista sabe que quanto mais confiantes os compradores estiverem da viabilidade da captura de sinergias, mais dispostos estarão a pagar um prêmio sobre o valor justo de mercado e, por isso, prepara um estudo detalhado endereçando a viabilidade das sinergias.
A conferência ocorre bem. O analista consegue fundamentar o potencial de sinergias com a economia do material didático, mas os investidores entendem que vão ter de manter parte da estrutura administrativa in loco no colégio, diminuindo as sinergias estimadas com a redução de pessoal.
No final do dia, Thor recebe a LOI da Giga Alumni no valor de R$80 milhões.
Este é um cenário ótimo, onde todos saem ganhando: os acionistas da Viva Real vendem a empresa acima do valor justo e os compradores da Giga Alumni conseguem capturar valor adquirindo a empresa em patamar abaixo do valor de investimento.
O gráfico abaixo ilustra a captura de valor com a transação de M&A.
Considerações finais – uma dica para empresários
- Desconfie do advisor ou “sabichão” que passa mais tempo fazendo projeções financeiras complexas do que dialogando com potenciais compradores;
- Tenha sempre em mente os múltiplos das últimas transações de empresas comparáveis a sua. Eles são a melhor estimativa sobre o patamar que você deve esperar receber uma oferta de um potencial comprador;
- Se você está descontente com o valor acima, trabalhe mais para crescer Receita, EBITDA e vá a mercado quando alcançar o valor desejado. Não “force a barra” em um processo prematuro;
- Se você deseja maximizar o valor de venda e não tem pressa, dê preferência para investidores estratégicos, com maior potencial de sinergia com a sua empresa;
- Contrate um Thor, que tenha a expertise necessária para defender as sinergias e marretar o valor da sua empresa para cima.