Por Germaine Gurr, Arlene Arin Hahn e White & Case LLP
No último trimestre de 2020, a Dell vendeu todos os seus negócios baseados em nuvem. A VMWare, em um deal avaliado em quase US $ 63 bilhões, dividiu o patrimônio da negociação entre seus acionistas, incluindo a própria Dell e a empresa de Private Equity Silver Lake Partners, que é uma parceira financeira e estratégica da Dell desde 2013.
O deal pouco convencional da Dell serve como um termômetro para a crescente atividade de carve-outs (processo pela qual uma empresa vende uma parcela geralmente menor e autônoma de seus negócios, como uma divisão, uma linha de produtos, um grupo de contratos, uma subsidiária, etc.) no Private Equity, e para a realização de negociações cada vez mais fora da caixa.
Os desinvestimentos corporativos para PE — isto é, operações de estratégia econômica que consistem na supressão de um ou mais investimentos em estruturas parciais, ou totais, de uma empresa — dispararam nos últimos 12 meses. Após a pausa do mercado no segundo trimestre de 2020, esses negócios atingiram níveis que não eram vistos há, pelo menos, quatro anos.
O segundo semestre de 2020 teve o vislumbre de mais de US $ 254 bilhões concentrados em carve-outs de Private Equity, de acordo com os dados da empresa de inteligência Dealogic. Fenômeno, esse, que continuou em 2021: no primeiro semestre deste ano, foram registrados US $ 281,1 bilhões em negócios desse tipo, um aumento de 197% em relação aos últimos anos.
O acordo com a Dell VMWare — embora incomum em muitos aspectos — exemplificou a força do mercado dos EUA para os carve-outs de Private Equity. Os negócios com base nos Estados Unidos já foram responsáveis por movimentar US $ 133,5 bilhões desde 2020, quase metade do total global registrado para deals desse tipo.
Mudar para se adaptar
Em 2020, a pandemia forçou muitas empresas a emitir dívidas para captar recursos na expectativa de passar pelos desafios desse período. Agora, muitos estão reavaliando seus modelos de negócios e competências mais essenciais, colocando seus ativos não produtivos ou estrategicamente tangenciais em jogo para levantar fundos e pagar pelos prejuízos causados pelo lockdown.
Esse é o cenário perfeito para um mercado de Private Equity com muito dinheiro. Segundo a Preqin, empresa de pesquisa e análise relacionada a PE, o setor arrecadou US $ 459 bilhões no primeiro semestre de 2021, um aumento de 51% em relação ao mesmo período do ano passado e o maior valor em, pelo menos, nos últimos cinco anos. Estima-se que o mercado ainda possua cerca de US $ 1,9 trilhão disponível para investimento.
Muito desse dinheiro irá para aquisições privadas e para acordos entre investidores. Mas os carve-outs podem ser igualmente atraentes da perspectiva de valuation, lucro e crescimento.
Uma pesquisa conduzida pela EY mostra que os investidores de PE, no atual momento, são capazes de comprar ativos empresariais a custos significativamente baixos, com expectativas de retornos maiores. Em uma amostra de 12 carve-outs, os fundos de PE foram capazes de entregar taxas internas de retorno (TIRs) de, em média, 34% — uma melhoria significativa em relação à média geral de TIR em PE, de 14,1%.
O brilho dos setores de energia e serviços
O setor de tecnologia domina o espaço de carve-outs de PE, com 84 transações no setor de computadores e eletrônicos no primeiro semestre, gerando US $ 84,3 bilhões de receita. Este foi o maior valor de todos os setores, e representa um aumento de mais de sete vezes em relação aos US $ 11,8 bilhões registrados no primeiro semestre de 2020.
Mas os carve-outs de energia e serviços públicos também estão em alta. Deals notáveis incluem um consórcio liderado pela EIG Energy Partners, que comprou uma participação de 49% no negócio de oleodutos da gigante petrolífera Saudi Aramco por US $ 12,4 bilhões.
Em outro deal relacionado a negócios de infraestrutura, avaliado em US $ 11,7 bilhões, os fundos de Private Equity Meridiam, Global Infrastructure Partners e Caisse des Dépôts et Consignations realizaram um carve-out dos ativos indesejados que sobraram da mega fusão realizada entre as gigantes francesas de gestão de águas residuais, a Veolia e a Suez.
Essas duas negociações ajudaram a aumentar o valor total dos setores de petróleo, gás, energia e serviços, respectivamente. O setor de óleo e gás viu o seu valor quase dobrar, de US $ 11,1 bilhões, no primeiro semestre de 2020, para US $ 21,8 bilhões, no período equivalente deste ano, enquanto o volume de deals subiu de 10 para 16. Energia e serviços também viram seus setores valorizarem em 260% de um ano para o outro, chegando a US $ 29,5 bilhões, enquanto o volume de deals aumentou em 3%, para um total de 39 transações no ano.
De carve-out a SPAC
Em alguns casos recentes, os carve-outs de PE são apenas um primeiro passo em direção a um IPO via SPAC.
Em 2020, o fabricante de células de combustível, Horizon Fuel Cell Technologies, desmembrou a Hyzon Motors, sua divisão de veículos comerciais com células de combustível de hidrogênio, que contou com os investimentos seed de fundos de Venture Capital como a TotalEnergies Carbon Neutrality Ventures e outros. Em julho de 2021, a Hyzon realizou o seu IPO por meio de um deal de SPAC, avaliado em US $ 2,7 bilhões, junto com a Decarbonization Plus Acquisition Corp, empresa fabricante de baterias para carros elétricos. A fusão e listagem na Bolsa de Valores preparou a Horizon para iniciar a produção de caminhões pesados e ônibus rodoviários, todos elétricos.
E, em fevereiro, o Ardagh Group desmembrou seu negócio de embalagens de metal por meio de uma fusão com uma SPAC apoiada pelo bilionário Alec Gores, em um processo de M&A que resultou em uma nova empresa avaliada em US $ 8,5 bilhões.
O medo da separação
Os ativos são abundantes e os carve-outs geram lucros maiores. Isso é uma boa justificativa para buscar transações que têm a reputação de serem incrivelmente difíceis de se realizar.
Mas separar um negócio de seus “pais” pode ser difícil. O balanço patrimonial deve ser dividido e, frequentemente, há uma sobreposição de negócios adquiridos pelo processo de M&A. Normalmente, as operações são emaranhadas, com ambos os lados compartilhando equipes de vendas, infraestrutura de TI, logística, RH e outras funções de backoffice. Essas negociações também podem ser difíceis, potencialmente desestabilizando as atividades relacionadas aos clientes e aos fornecedores.
A Due Diligence é, portanto, especialmente importante para os carve-outs. Os fundos de PE precisam saber exatamente o que estão adquirindo – e o que não estão. Esse processo também ajuda a obter uma imagem real das sinergias de custo-benefício que serão perdidas, naturalmente, como parte da transformação do negócio em uma entidade independente. Isso, logicamente, influenciará o valuation e as negociações de preços.
Mas com tanto capital à disposição do Private Equity, e tanta pressão sobre as empresas para que elas aprimorem suas estratégias e levantem recursos, as oportunidades acabam fazendo o desafio valer a pena.
*Texto publicado originalmente em Harvard Law School Forum on Corporate Governance